Folha de S. Paulo/Lucas Neves, 28/01/2009



São Paulo, quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

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Peça mostra obra de dramaturgo israelense à plateia paulistana

Hanoch Levin, que nunca teve textos montados no país, é autor de "Réquiem"

Lenise Pinheiro/Folha Imagem
Ensaio da montagem dirigida por Francisco Medeiros, em cartaz no Centro Cultural São Paulo

LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL

Fabricante de caixões num vilarejo em que "quase ninguém morre", o Velho bronqueia logo de partida: com "tudo se agarrando à vida feito praga", não há guerra ou epidemia que viabilize sua atividade.
No decorrer de "Réquiem", peça do israelense Hanoch Levin (1943-1999), nunca montado no Brasil, a morte o convidará repetidamente a rever as aspirações pequeno-burguesas. A primeira a partir será sua mulher, vencida pelo tifo e pela indiferença do companheiro.
Em seguida, o Velho fixará o olhar no recém-nascido que não resiste a queimaduras. E antes de se haver com seu próprio fim, ainda ouvirá o cocheiro balbuciar a perda do filho. A dramaturgia é inspirada em três contos de Tchecov: "O Violino de Rotschild", "No Fundo do Barranco" e "Angústia".
"De uma maneira ou de outra, a vida se encarrega de surpreender o ser humano com aventuras que o induzem a ampliar sua visão. Esse é o percurso que o personagem faz. Ele não percebe, mas é evidente que a intolerância e o preconceito, se não morrem, ao menos se enfraquecem dentro dele, para dar lugar à desconfiança de que o carinho é possível, o outro é um fato concreto", diz o diretor, Francisco Medeiros.
Ele frisa que não se trata de "uma peça de autoajuda, em que o personagem só vai em direção à luz". "Há retrocessos, paradoxos, como em todo ser humano. Esse caminho de revelação, amadurecimento, no fim das contas, leva à morte."

Paralelo com a guerra
Nesse percurso, afirma o diretor, a jovem de 17 anos que leva nos braços o filho morto, "torrado com água fervente em uma disputa de herança", servirá como uma figura desestabilizadora das convicções do Velho. "Difícil não pensar na guerra árabe-israelense ou na violência urbana", diz Medeiros.
Na mãe precoce que diz ter passado a vida a varrer, lavar e esperar (em vão) numa fila por um punhado de açúcar, o diretor também vê um espelho do conformismo contemporâneo.
"Quantas vezes o nosso ideal de felicidade é caber na realidade, e não fazer com que ela se flexibilize para conquistarmos um espaço?"

RÉQUIEM
Quando: ter., qua. e qui., às 21h; até 5/3
Onde: Centro Cultural São Paulo - sala Jardel Filho (r. Vergueiro, 1.000, tel. 3397-4002)
Quanto: R$ 10
Classificação: não indicada a menores de 14 anos



São Paulo, quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

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DRAMATURGO ESCREVEU MAIS DE 60 PEÇAS

Poeta, romancista, compositor e dramaturgo, Hanoch Levin iniciou sua carreira teatral com textos que satirizavam a política israelense. Logo colecionou desafetos. Na década de 70, várias de suas peças sofreram cortes ou tiveram as temporadas interrompidas por causa de seu conteúdo "desconfortável". "Réquiem" é seu penúltimo trabalho; Levin já estava hospitalizado quando dirigiu a primeira montagem, em Tel Aviv.


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