Réquiem – Um Tchékhov revisitado




Inspirada em três contos do mestre Anton Tchékhov, Réquiem é estruturada em 15 cenas curtas quase como um afresco de imagens alinhavadas por um eixo central: uma estrada e o percurso de um Velho por diferentes caminhos, encruzilhadas, esperas, partidas e chegadas.

Os personagens não têm nome, são chamados de Velha, Bêbados, Prostitutas, Cocheiro, Mãe, arquétipos explícitos que aparecem ao personagem central – o Velho - numa sucessão de encontros, desencontros, nascimentos, mortes, zonas de luz e de trevas, curvas, desvios de rota, retornos, enfim, uma alegoria da vida.

As imagens dos contos de Tchékhov cintilam pela peça numa convivência inusitada, surpreendente. O grande autor russo está lá, mas não de forma explícita, muito menos reverencial. Pastiche, intertextualidade, subversão de formas e estruturas consagradas dão origem a uma peça teatral construída a partir de fragmentos e de uma ousada não-linearidade.

O que parece mover todos os seres que habitam este universo é uma polaridade: o impulso de viver e o terror de morrer. Nada de novo ou revolucionário na temática de Hanoch Levin, nada de revolucionário também em sua escritura cênica. Mas, como ocorre freqüentemente com os grandes mestres, Réquiem é uma obra que fascina pela combinação incomum de vários elementos que constituem a cena dos nossos dias.

Beckett, Brecht, Artaud, Ibsen, Strindberg e, claro, o próprio Tchékhov são influências marcantes.

A sensação artaudiana de que “o céu está para cair sobre nossas cabeças” a qualquer momento está lá, presente, assim como uma galeria de seres atônitos em busca de algum sentido diante do absurdo da existência. Sem se esquecer dos personagens com um olho sempre atento, pronto para capturar a vida que parece escapar pelos dedos.

Aos espectadores resta uma sensação: a de um confronto aberto e direto com o mistério, com uma constelação de homens e mulheres imbuídos da certeza de que a vida será sempre um eterno embate entre ignorância e conhecimento.

Em meio a esta certeza, aparece freqüentemente o sonho que intensifica os fluídos do corpo e que faz com que os personagens não admitam abrir mão das esperanças, mesmo sabedores de que o horizonte é feito de catástrofes inevitáveis.

Talvez aí resida o fascínio da obra de Hanoch Levin: nessa capacidade de desconcertar artistas e público. De arrancar todos da cômoda constatação da miséria e arremessar todos no vácuo dos questionamentos, no silêncio do não-saber, no espanto de quem teima em querer viver, apesar de. Esta combinação “impossível” de rejeição e atração mantém o impacto que a obra de Levin provoca sobre as platéias.